Quando se vê duas crianças entre os 8 e os 11 anos, de noite, num local aonde é suposto não estarem, chama-nos a atenção, não é?
Pois ontem aconteceu-me uma coisa dessas. Vi duas crianças a rondar o portão da minha Escola cerca das 7 da noite.
Não eram alunos mas, como havia reunião de pais, pensei que estariam à espera dos pais. Mas as reuniões foram acabando e as crianças continuavam ali.
Comecei a estranhar e meti conversa com eles.
Estavam à espera que fossem horas para a mãe chegar do trabalho para irem para casa porque era dia do pai estar de folga(?)
Estranhei a situação e fui fazendo perguntas. O mais velho retraiu-se mas o pequenito lá foi conversando.
Então a situação era esta: No dia de folga o pai passava o dia no café e embriagava-se. Se estava bem disposto tudo bem, se estava mal disposto zangava-se, partia tudo e batia.
Eles não queriam ir para casa sem a mãe lá estar com medo dele estar mal disposto.
Então e se a mãe estiver?
- Ele bate nela mas ela fecha-nos no quarto e não deixa que ele bata na gente.
E nos dias em que o pai está a trabalhar, como é?
-Nesses dias vamos para casa.
Então e quando o pai chega?
-Quando ele chega já estamos na cama.
Então quando é que estão com o vosso pai?
-A gente? Só no dia da folga dele.
Mas vocês não costumam andar por aqui. Nos outros dias onde ficam até a mãe chegar?
-Ficamos na paragem das camionetas.
As crianças acabaram por ir para a paragem esperar pela mãe, como fazem todas as semanas, no dia de folga do pai. Eu fiquei a pensar naquela mãe que, depois de um dia de trabalho, leva tareia mas não deixa o marido, bêbedo, bater nos filhos.
Fiquei a pensar nos filhos que só estão com o pai no dia de folga e, mesmo nesse dia, têm medo de ir para casa sem a mãe.
E, desculpem-me a expressão, fiquei a pensar na BESTA que é aquele homem.
Quantos pais dariam tudo para terem um dia por semana, só um que fosse, com os filhos e aquele, em vez de ir buscá- los à Escola e aproveitar o pouco tempo que tem para estar com eles, TROCA-OS por uma bebedeira.
Confortou-me pensar que, em seis dias por semana, as crianças vão para casa a horas, sem medo de levar tareia e sem o terror de verem a mãe ser espancada, sem nada poderem fazer para a defender.
E que, nesses mesmos seis dias, há uma mulher que sabe que ao chegar a casa não leva tareia, não tem tudo partido, nem tem que defender os filhos do próprio pai.
Pergunto a mim própria como é que ela tem coragem para entrar naquela casa, nos dias de folga do marido.
Penso em mil e uma razões para ela aguentar.
Não consigo encontrar uma única que justifique o que estão a sofrer.
Isto é muito mais que violência...é terrorismo.